Dentro da experiência da vida, há muitas possibilidades. Dentro dessas, há vários “tipos de pais”. Eu tive uns pais presentes, cuidadores, amparadores, figuras de suporte. Como a Vida é um ciclo e tendo vivido até aqui, os anos começam a passar a sua fatura, a máquina corpo começa a ter falhas que levam a que se necessite de apoio 24h. A mãe desencarnou há 1 ano.
O pai tem 89 verões e precisa de apoio constante. Esta fragilidade de falta de capacidades, que põe em causa a autonomia, leva a novas realidades que tornam a vivência mais fácil e assistida, mas acaba por ser vivida com tristeza, impotência e desesperança.
A falta de objetivos e assuntos “vivos” agudiza todo este estado, pois o foco está sempre no negativo e na realidade que não é a desejada. Facto é que há coisas que não se conseguem contrariar… não se consegue dar juventude e saúde perfeita. Há que aceitar o facto de que o avançar na idade é a outra face da moeda de não ter desencarnado jovem. Reconhecido e aceite este facto, há que olhar para todas as vivências, que são aprendizagens e momentos bons que se armazenaram ao longo dos anos e agradecer. Agradecer é reconhecer o presente de se ter vivenciado.
Nesta sequência, e sabendo que o foco e objetivos contribuem para os estados de ânimo, decidi começar a escrever com o pai as memórias de vida dele. É uma pessoa com humor, de fácil trato, colaborante e com muitas aventuras e histórias para contar, que adora conversar, o que me facilita a tarefa. Esta tarefa trabalha a memória, aumenta o entusiasmo, pois tem um “objetivo”. Ele dita e eu escrevo. Já temos umas quantas páginas em que descobri aquela pessoa “pai” que de herói passa a humano e expõe os seus medos de menino, as suas aventuras de adolescente, os desafios de adulto, as reflexões e conclusões de atos. Quando a memória falha, recorremos a familiares que ajudam nos pormenores que por vezes já escapam, e que também se animam ao ficar incluídos na aventura do relato. E neste reviver de Caminho percorrido, refletimos, pacificamos dores, e eu procuro que haja a valorização das coisas boas e há um entendimento das aprendizagens vividas nesta escola chamada Vida.
Está a ser uma experiência muito rica a vários níveis e também de reforço de laços. Está a tornar a limitação presente mais “suportável”.
O que levamos desta vida são momentos, nada mais. Que tenhamos Consciência para os ver e desfrutar. Aprendendo sempre enquanto cá estamos. Pois tudo é transitório e irá acabar.
Estes momentos já ninguém nos tira, pai!
Fica a ideia para quem sentir e queira partilhar estes momentos com seres queridos, com pessoas que cuide. Esta é também uma ajuda que se dá a quem precisa de mimo, conforto, atenção, carinho. São pequenos grandes gestos de amor que ficam gravados na alma.